Vamos focar no ponto de vista judaico e abordar os livros não-canônicos que são considerados importantes ou interessantes dentro da tradição judaica, mas que não foram incluídos no Tanach (o cânone oficial do judaísmo). Esses livros são, em sua maioria, apócrifos ou pseudepígrafos, ou seja, escritos que não foram considerados como parte do cânone porque não atendiam aos critérios específicos para a inclusão, mas têm um valor significativo para a tradição religiosa e cultural judaica.
1. O Livro de Eclesiástico (Sirácida ou Ben Sira)
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Resumo: O Livro de Eclesiástico é uma obra sapiencial que contém ensinamentos de Jesus Ben Sira, um sábio judeu que viveu em Jerusalém no século II a.C. Ele oferece conselhos sobre a moralidade, a ética, a sabedoria prática, a justiça e a religião, com um foco em temas como honra aos pais, fé em Deus, a importância do temor a Deus, a moderação e a paciência.
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Razão pela qual não foi incluído no cânone judaico: Embora tenha sido muito respeitado na época, especialmente no contexto do judaísmo helenístico, o livro foi escrito em grego, e o cânone judaico daquele período estava se formando em torno de textos escritos em hebraico ou aramaico. Além disso, não foi amplamente aceito entre todos os grupos judeus da época, como os fariseus ou os essênios. Sua falta de referência nas escrituras anteriores também contribuiu para a exclusão do cânone.
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Importância: Apesar de não estar no Tanach, é altamente respeitado e influente na literatura judaica posterior, com alguns de seus ensinamentos encontrados nas tradições rabínicas, como no Talmud.
2. O Livro de Tobias (Tobit)
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Resumo: A história de Tobias envolve a jornada de um homem justo chamado Tobias, que fica cego, mas depois é curado por um anjo chamado Rafael. O livro destaca temas de moralidade, oração, jejum, caridade e fidelidade a Deus. Ele tem uma mensagem de esperança e confiança em Deus diante da adversidade.
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Razão pela qual não foi incluído no cânone judaico: O livro de Tobias foi escrito em grego, e não em hebraico ou aramaico. Além disso, sua origem helenística e a influência de elementos de mitologia grega e persa foram motivos para sua exclusão do cânone judaico. A falta de uma conexão direta com os textos sagrados e a tradição dos profetas também desempenhou um papel na sua exclusão.
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Importância: Embora não seja considerado canônico no judaísmo, o livro de Tobias tem sido estudado por sua ética moral, particularmente sobre caridade e a relação entre o indivíduo e Deus. Também fornece uma reflexão interessante sobre o papel dos anjos e da providência divina, temas que aparecem em outros textos judaicos e rabínicos.
3. O Livro de Judite
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Resumo: Judite é uma heroína israelita que salva o povo judeu ao seduzir e matar o comandante assírio Holofernes. O livro descreve sua coragem e astúcia, e é uma história de resistência, fé e vontade de Deus. Tem um forte caráter de heroísmo nacional e religioso.
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Razão pela qual não foi incluído no cânone judaico: O livro foi escrito em grego e é amplamente considerado uma obra de ficção literária, provavelmente criada para ensinar uma lição de coragem, mas sem base histórica. Sua exclusão do cânone judaico foi devido à sua natureza mais teológica e moral, e à sua origem helenística.
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Importância: No contexto do judaísmo, o livro não é considerado parte da escritura sagrada, mas é lido e apreciado por sua mensagem de coragem, especialmente em tempos de adversidade. A heroína Judite representa a fé e o poder divino para libertar o povo judeu da opressão.
4. O Livro de Sabedoria de Salomão (Sabedoria)
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Resumo: Este livro é um tratado sobre a sabedoria divina, escrito provavelmente em grego. Ele descreve a sabedoria como sendo anterior à criação do mundo e essencial para a justiça de Deus. O livro também discute o sofrimento humano, o juízo divino e a recompensa dos justos.
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Razão pela qual não foi incluído no cânone judaico: Este livro foi escrito em grego, e o judaísmo rabínico não o aceitou como canônico. Sua autoria é atribuída a um judeu helenista, e o livro é visto por muitos estudiosos como tendo sido escrito sob a influência de filosofias gregas, o que causou certa resistência à sua inclusão no cânone judaico.
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Importância: Apesar de não ser aceito no cânone, o Livro de Sabedoria de Salomão teve uma grande influência no pensamento judaico posterior, especialmente no judaísmo helenístico e em algumas seitas judaicas, como os essênios, que estavam focadas na sabedoria divina e na teologia moral.
5. O Livro de Baruc
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Resumo: O livro é atribuído a Baruc, o secretário do profeta Jeremias. Ele contém orações e reflexões sobre o arrependimento, a justiça divina e a restauração futura de Israel. O livro também reflete sobre os pecados de Israel e a necessidade de arrependimento.
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Razão pela qual não foi incluído no cânone judaico: O Livro de Baruc foi escrito em grego e provavelmente durante o período do exílio babilônico. Sua autoria, embora associada a Baruc, não foi aceita como parte do cânone judaico devido à sua data tardia e sua falta de conexão com as tradições proféticas judaicas anteriores.
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Importância: Embora não seja parte do Tanach, o Livro de Baruc é um exemplo da literatura pós-exílica e tem sido útil para os estudiosos do judaísmo apocalíptico e das práticas de arrependimento e restauração.
6. 1 Macabeus
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Resumo: 1 Macabeus narra a revolta dos Macabeus contra o Império Selêucida, resultando na independência de Israel. O livro descreve a luta pelo restabelecimento do culto no Templo e a pureza religiosa.
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Razão pela qual não foi incluído no cânone judaico: O livro de 1 Macabeus não foi incluído no Tanach porque foi escrito em grego e depois da consolidação do cânone judaico. A revolta dos Macabeus e o movimento que eles representavam não foram vistos por todos os grupos judaicos da época como algo que deveria ser parte do cânone sagrado.
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Importância: Embora não seja parte do Tanach, 1 Macabeus é importante para entender o período histórico que levou à redenção do Templo e à instituição da Festa de Chanucá. Ele também é uma obra crucial para o estudo da autonomia judaica e da luta religiosa durante o domínio grego.
7. 2 Macabeus
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Resumo: 2 Macabeus oferece uma versão semelhante da revolta dos Macabeus, mas com maior ênfase nos aspectos teológicos e nas intervenções miraculosas de Deus. A história enfatiza a importância da fé e do arrependimento.
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Razão pela qual não foi incluído no cânone judaico: O livro foi escrito em grego, e como 1 Macabeus, foi excluído do cânone judaico pelo mesmo motivo de ser um texto posterior que não estava em hebraico ou aramaico. Além disso, há um foco maior em temas religiosos e milagrosos que não se alinham com o estilo dos textos canônicos.
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Importância: Como 1 Macabeus, 2 Macabeus é importante para entender o contexto histórico e as práticas religiosas durante o período helenístico e a luta pela preservação da fé judaica.
8. O Livro de 3 Esdras (Esdras Adicional)
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Resumo: Este livro é uma coleção de textos que discutem o retorno do exílio e a reconstrução do Templo. Ele inclui uma versão expandida de histórias que aparecem em Esdras e Neemias.
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Razão pela qual não foi incluído no cânone judaico: 3 Esdras é um texto que se tornou popular em algumas tradições, mas sua origem e conteúdo não foram considerados suficientemente autoritativos ou consistentes com os textos canônicos.
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Importância: Tem valor para os estudiosos da literatura pós-exílica e para entender as discussões teológicas sobre a restauração de Israel.
O Livro de Enoque (1 Enoque)
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Resumo: O Livro de Enoque é uma coleção de escritos atribuídos a Enoque, o bisavô de Noé. Ele é um dos textos apócrifos mais conhecidos e é uma das principais fontes de literatura apocalíptica judaica. O livro descreve visões e revelações que Enoque recebe sobre os anjos caídos, a origem dos demônios, e o juízo final. O livro é dividido em várias seções, incluindo visões de Enoque sobre o céu e a terra, profecias sobre o Messias, e ensinamentos sobre justiça e moralidade.
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Estrutura: O Livro de Enoque pode ser dividido em várias seções principais:
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O Livro dos Vigilantes: Relata a queda dos anjos e sua interação com as filhas dos homens, resultando na criação dos Nephilim (gigantes).
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O Livro das Parábolas: Contém profecias apocalípticas sobre a vinda de um Messias e o julgamento final.
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O Livro Astronômico: Descreve o movimento dos corpos celestes e o calendário.
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O Livro dos Sonhos: Uma alegoria sobre a história de Israel.
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A Epístola de Enoque: Inclui reflexões éticas e morais sobre o juízo divino.
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Razão pela qual não foi incluído no cânone judaico:
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O Livro de Enoque foi amplamente rejeitado pelo cânone judaico porque, apesar de ser popular entre várias seitas judaicas, especialmente os essênios de Qumran, ele não foi aceito pela maioria das tradições judaicas. Uma razão importante para a exclusão é que ele foi escrito em aramaico ou hebraico tardio, e seu conteúdo apocalíptico foi considerado excessivamente esotérico e distante da tradição profética que prevalecia no Tanach.
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Além disso, o livro contém elementos que foram considerados estranhos ou problemáticos, como a ênfase nas visões angelicais e a descrição de anjos caídos que se associam com as mulheres humanas e engendram gigantes. Isso era visto por muitos rabinos como dúbio ou até herético, e por isso o livro foi gradualmente descartado como não autêntico.
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Importância no judaísmo:
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Influência apocalíptica: Embora não tenha sido incluído no cânone, o Livro de Enoque teve uma enorme influência no judaísmo apocalíptico e foi considerado uma obra importante para algumas correntes do judaísmo. Ele influenciou a literatura apocalíptica subsequente, como o Livro de Daniel e várias partes do Novo Testamento, especialmente nas cartas de São Pedro e São Judas, que fazem referência direta aos "anjos caídos".
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Presença nas descobertas de Qumran: Fragmentos do Livro de Enoque foram encontrados entre os Manuscritos do Mar Morto, o que demonstra que ele tinha uma circulação e importância significativas entre os essênios e outros grupos judeus da época.
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Doutrinas e ensinamentos: O livro também influenciou a maneira como muitos judeus posteriores viam os anjos, os demônios, o juízo final e o Messias. A sua ideia de um julgamento divino e a vitória final do bem sobre o mal ressoaram profundamente em várias tradições religiosas, incluindo o judaísmo místico e até o cristianismo primitivo.
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Rabinos e misticismo: Embora o Livro de Enoque não tenha sido aceito formalmente pelos rabinos, ele foi uma referência importante para movimentos místicos e kabbalísticos que viam em suas alegorias e visões uma representação da luta espiritual entre as forças celestiais e terrenas.
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Em resumo:
O Livro de Enoque, apesar de não ser parte do Tanach, é uma obra de grande valor dentro da literatura apocalíptica judaica e continua a ser uma referência fundamental em estudos sobre as crenças e práticas religiosas antigas. Ele oferece uma visão única da teologia judaica primitiva, especialmente em relação aos anjos, a moralidade celestial e o futuro apocalíptico de Israel.
Portanto, o Livro de Enoque é uma obra central dentro do judaísmo apocalíptico e místico, sendo importante por sua influência nas ideias judaicas sobre os anjos, o juízo final e o Messias, mesmo que não tenha sido incluído no cânone oficial do judaísmo.
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